Durante as filmagens de um novo projeto em Belo Horizonte, aproveitamos a oportunidade para buscar um novo personagem para a nossa série “Essa Pessoa”. Foi então que a jornalista Lígia Scalise nos apresentou o Pelé, figuraça da Pampulha, em BH. Seguir o Pelé em sua rota de entregas de jornal foi uma experiência incrível e rendeu um minidoc cheio de momentos divertidos. Além disso, o texto da Lígia, que nos apresentou essa história, é um barato. Por isso, decidimos compartilhar os dois aqui: o minidoc e o pequeno perfil de Pelé, escrito por ela.
por Lígia Scalise
Pelé nasceu e cresceu em meio aos jornais. Seus pais tinham uma banca de jornal, onde sua mãe trabalha até hoje. O pai costumava sair para entregar jornais pelo bairro. No entanto, quando Pelé tinha apenas nove anos, o pai abandonou a família, deixando para trás a esposa, os filhos e a própria banca de jornal. Todos os doze filhos seguiram a tradição de serem jornaleiros, mas apenas Pelé levou o ofício pela vida afora – e continua até hoje.
Desde os nove anos, ele percorre as ruas do bairro de Itapuã, na região da Pampulha, em Belo Horizonte, com seu carrinho de supermercado carregado, entregando o jornal O Estado de Minas para seu público fiel. Para chamar a atenção, Pelé aprendeu a arte da comunicação dos vendedores. Ele canta, grita, declama poemas e faz rimas, tudo na base da criatividade e do improviso. E ele realmente chama a atenção!
Faça chuva ou faça sol, aos domingos, das 7h às 13h, o entregador de jornal está no batente. “Ando seis horas cronometradas. Nada me impede de sair de casa na hora de entregar meu jornal. Essa é minha caminhada”, conta. Pelé então sai empurrando seu carrinho e ecoando a plenos pulmões: “Aê, o Estadoooo, olha o jornaaaal! Olha o Estado de Minas, a notícia brasileira que chegou! A notícia quem traz é o seu jornaleirooooo.” Sem ensaios, ele inventa suas rimas.
A cada domingo, ele entrega uma média de oitenta jornais, um número pequeno, mas resistente em tempos de tecnologia digital. “Foi-se o tempo em que eu ganhava dinheiro vendendo jornal. Mas sigo fazendo por prazer, por respeito aos meus clientes. Faço também porque é a minha maior felicidade. Tenho que andar, olhar para a cara das pessoas, levar o jornal e também o meu amor. Meus clientes são fiéis, se tornaram meus amigos, e isso é a maior riqueza que um homem pode ter. Esse é meu prazer, esse é o meu mundo”, ele diz, cheio de orgulho.
O trabalho de Pelé vai além de entregar jornais. Ele faz companhia para seus clientes e sempre leva uma palavra e um sorriso. “Eles querem comprar o jornal e trocar umas palavrinhas. Sempre me oferecem um cafezinho, um pedaço de bolo e uma prosa. Tenho uns 15 clientes da minha época de menino. Dona Vanda, por exemplo, é uma cliente de 98 anos! Todo domingo vou até a casa dela, entrego o jornal e sou convidado para sentar à mesa. Sempre tem pão, queijo e café. Ela é uma simpatia”, conta.
Além da voz cheia de energia e das mensagens positivas na ponta da língua, Pelé carrega uma história de vida marcada por dificuldades. “Passei muita fome na vida. Comi muitos restos em restaurantes. Mas nunca desisti de lutar. O trabalho faz o homem forte. Eu sou um homem independente, aprendi os ensinamentos com a minha mãe e passo para meus filhos. Tenho três filhos adultos. Todos aprenderam a se virar. Tenho um filho nos Estados Unidos, um no Rio de Janeiro e um que está para se casar, mas ainda mora comigo. Tenho também um pequeno de onze anos, que aprende tudo bem de perto. Todos os meus filhos foram criados pela minha caminhada. Isso me dá muita satisfação e alegria”, diz.
Ao longo da vida, Pelé arranjou trabalhos em indústrias, mas, desde a pandemia, tem se virado como profissional autônomo. Ele faz bicos como pintor, acabamento de obras, vigia, segurança e roçador de lotes. “Faço de tudo um pouco e gosto muito de trabalhar com o público. São meus clientes do jornal que me contratam durante a semana ou me indicam para outras pessoas. Fico muito agradecido”, diz ele. Pelé se vira durante a semana, mas segue fiel ao ofício de jornaleiro. “Essa é a alegria da minha vida. Acordo às 5h da manhã todos os domingos. Se estiver chovendo, protejo o jornal, mas saio debaixo de chuva mesmo. Eu não fico nem doente. Meu corpo já se acostumou, e isso me faz feliz. Volto para casa me sentindo satisfeito com o meu dever. E me sinto muito querido por todos eles. Teve uma vez que rolou um boato de que um tal de Pelé tinha sido assassinado por essas bandas. Nunca recebi tantas ligações e mensagens como naquele dia! Pude ver em vida o quanto sou querido pelos meus clientes. Fiquei emocionado com a comoção geral…”, diz Pelé, com o sorriso que parece carregar as histórias de uma vida inteira.
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